sábado, 12 de maio de 2012


Comissão da Verdade deve convocar ex-delegado Cláudio Guerra

No livro "Memórias de uma guerra suja", ele fez revelações inéditas sobre a ditadura militar e admite vários assassinatos

Wilson Lima, iG Brasília 
Foto: Agência PorãCláudio Guerra: cotado para depor na Comissão da Verdade
A Comissão da Verdade, oficialmente montada nesta quinta-feira pela presidenta Dilma Rousseff (PT), deve convidar ex-delegado do DOPS (Departamento de Ordem Político Social) do Espírito Santo, Cláudio Guerra, para prestar depoimento sobre envolvimento em crimes durante a ditadura militar.
No livro “Memórias de uma guerra suja”, dos jornalistas Rogério Medeiros e Marcelo Netto, Guerra faz várias revelações sobre o regime militar até então desconhecidas. Ele afirma que o delegado Sérgio Paranhos Fleury – titular da Delegacia de Investigações Criminais (DEIC) de São Paulo, considerado um símbolo da linha-dura do regime foi assassinado por um grupo de militares revoltados contra a abertura política no Brasil.
Em outros trechos do livro, Guerra também declara que militantes de esquerda foram incinerados em uma usina de cana de açúcar localizada no Rio de Janeiro e que os mesmos comandantes que planejaram o atentado do Riocentro foram os responsáveis pela execução do jornalista Alexandre Von Baumgarten, em 1982. Alguns personagens citados por Guerra, no entanto, desmentem trechos dos depoimentos do ex-delegado do DOPS e chegam a classifica-los como “fantasiosos”.
O advogado José Carlos Dias, conselheiro da Comissão de Justiça e Paz e um dos signatários da Carta aos Brasileiros, redigida em 1977, na faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), repudiando a Ditadura Militar, não teceu comentários sobre os relatos de Guerra. Mas ele afirmou ao iG que é importante o convite a Guerra. “Claro que ele pode ser chamado. Assim como outras pessoas”, afirmou Dias. “Temos que cumprir a lei que é procurar a verdade dos fatos e reconstituir a história da melhor forma possível”, disse.
O ex-procurador-geral de Justiça e que durante a juventude atuou como membro do grupo Ação Popular, Cláudio Fonteles, também defendeu o convite a Guerra como parte das investigações da Comissão da Verdade. “Ele pode ser ouvido, mas vamos esperar. Não somente ele, mas qualquer pessoa que venha (contribuir). Se você observar a lei que cria a Comissão da Verdade vai ver que ela tem atribuições de convidar pessoas, convocar, mas claro que sim (Guerra pode ser convocado). Porque ele revela fatos do período. Nossa missão é descobrir cada vez mais (fatos sobre a ditadura)”, declarou.
Já o escritor pernambucano José Cavalcanti Filho ressaltou que, nesse primeiro momento, “nada pode ser excluído”. “Todos podem ser chamados. Nesse caso pessoal, eu tenho um elemento adicional. É que Eduardo (Collier Filho – militante da Ação Popular Marxista Lenista) foi meu maior amigo de infância. Nós éramos as únicas pessoas de idade aproximada em um raio de um quilômetro (em Recife). Então eu fui o último amigo de Duda a vê-lo vivo e gostaria muito de poder contribuir, de saber mais ou menos o que aconteceu”, disse.
No livro “Memórias de uma guerra suja”, o ex-delegado do DOPS afirma que Eduardo Collier Filho e mais nove militares de esquerda foram supostamente incinerados em uma usina de açúcar. “Pode ser verdade, pode ser mentira. Com equilíbrio, com tranquilidade. Nós queremos apurar a verdade”, finalizou Filho.
A Comissão da Verdade será oficialmente instituída na próxima quarta-feira. Haverá uma primeira reunião de trabalho para definir detalhes operacionais da entidade. Também devem ser definidos os primeiros passos da investigação sobre os atos contra os direitos humanos cometidos durante o regime militar. A Comissão da Verdade tem dois anos para apresentar um relatório com o resultado das investigações. Ela não tem poder de polícia, nem punitivo. A intenção dela é, na visão dos seus membros, “fechar feridas” ainda abertas pela ditatura militar.

“Militantes de esquerda foram incinerados em usina de açúcar”

Delegado revela em livro que viraram cinzas os corpos de David Capistrano, Ana Rosa Kucinski e outros oito opositores da ditadura

Tales Faria, iG Brasília  - Atualizada às 
Foto: DivulgaçãoCapa de "Memórias de uma guerra suja", da editora Topbooks
Ele lançou bombas por todo o país e participou, em 1981 no Rio de Janeiro, do atentado contra o show do 1º de Maio no Pavilhão do Riocentro. Esteve envolvido no assassinato de aproximadamente uma centena de pessoas durante a ditadura militar. Trata-se de um delegado capixaba que herdou os subordinados do delegado paulista Sérgio Paranhos Fleury nas forças de resistência violenta à redemocratização do Brasil.
Apesar disso, o nome de Cláudio Guerra nunca esteve em listas de entidades de defesa dos direitos humanos. Mas com o lançamento do livro “Memórias de uma guerra suja”, que acaba de ser editado, esse ex-delegado do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) entrará para a história como um dos principais terroristas de direita que já existiu no País.
Mais do que esse novo personagem, o depoimento recolhido pelos jornalistas Marcelo Netto e Rogério Medeiros, ao longo dos últimos dois anos, traz revelações bombásticas sobre alguns dos acontecimentos mais marcantes das décadas de 70 e 80.
Revelações sobre o próprio caso do Riocentro; o assassinato do jornalista Alexandre Von Baumgarten, em 1982; a morte do delegado Fleury; a aproximação entre o crime organizado e setores militares na luta para manter a repressão; e dos nomes de alguns dos financiadores privados das ações do terrorismo de Estado que se estabeleceu naquele período.
A reportagem do iG teve acesso ao livro, editado pela Topbooks. O relato de Cláudio Guerra é impressionante. Tão detalhado e objetivo que tem tudo para se tornar um dos roteiros de trabalho da Comissão da verdade, criada para apurar violações aos direitos humanos entre 1946 e 1988, período que inclui a ditadura militar (1964-1988).
David Capistrano, Massena, Kucinski e outros incinerados
Cláudio Guerra conta, por exemplo, como incinerou os corpos de dez presos políticos numa usina de açúcar do norte Estado do Rio de Janeiro. Corpos que nunca mais serão encontrados – conforme ele testemunha – de militantes de esquerda que foram torturados barbaramente.
“Em determinado momento da guerra contra os adversários do regime passamos a discutir o que fazer com os corpos dos eliminados na luta clandestina. Estávamos no final de 1973. Precisávamos ter um plano. Embora a imprensa estivesse sob censura, havia resistência interna e no exterior contra os atos clandestinos, a tortura e as mortes.”
Os dez presos incinerados 
-- João Batista e Joaquim Pires Cerveira, presos na Argentina pela equipe do delegado Fleury;
-- Ana Rosa Kucinsk e Wilson Silva, “a mulher apresentava marcas de mordidas pelo corpo, talvez por ter sido violentada sexualmente, e o jovem não tinha as unhas da mão direita”;
-- David Capistrano (“lhe haviam arrancado a mão direita”) , João Massena MelloJosé Roman eLuiz Ignácio Maranhão Filho, dirigentes históricos do PCB;
-- Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira e Eduardo Collier Filho, militantes da Ação Popular Marxista Leninista (APML).
O delegado lembrou do ex-vice-governador do Rio de Janeiro Heli Ribeiro, proprietário da usina de açúcar Cambahyba, localizada no município de Campos, a quem ele fornecia armas regularmente para combater os sem-terra da região. Heli Ribeiro, segundo conta, “faria o que fosse preciso para evitar que o comunismo tomasse o poder no Brasil”.
Cláudio Guerra revelou a amizade com o dono da usina para seus superiores: o coronel da cavalaria do Exército Freddie Perdigão Pereira, que trabalhava para o Serviço Nacional de Informações (SNI), e o comandante da Marinha Antônio Vieira, que atuava no Centro de Informações da Marinha (Cenimar).
Afirma que levou, então, os dois comandantes até a fazenda:
“O local foi aprovado. O forno da usina era enorme. Ideal para transformar em cinzas qualquer vestígio humano.”
“A usina passou, em contrapartida, a receber benefícios dos militares pelos bons serviços prestados. Era um período de dificuldade econômica e os usineiros da região estavam pendurados em dívidas. Mas o pessoal da Cambahyba, não. Eles tinham acesso fácil a financiamentos e outros benefícios que o Estado poderia prestar.”

Cláudio Guerra: um matador que se diz em busca da paz

Ex-delegado do DOPS afirma que resolveu confessar seus crimes na ditadura depois de se converter à igreja evangélica

Tales Faria, iG Brasília  - Atualizada às 
O ex-delegado do DOPS (Departamento de Ordem Político Social) do Espírito Santo, Cláudio Antônio Guerra, afirma que resolveu confessar seu envolvimento em crimes durante a ditadura militar devido a um conflito de consciência.
Após passar sete anos na cadeia sob acusação de ter matado um bicheiro, Cláudio Guerra converteu-se ao cristianismo e, hoje, aos 71 anos, é um pastor que costuma citar em suas pregações os seus “pecados do passado”.
Após assassinatos, delegado virou preletor da Assembleia de Deus
 
Os jornalistas Rogério Medeiros e Marcelo Netto contam, no livro “Memórias de uma guerra suja”, que Cláudio Guerra tornou-se famoso no início dos anos 70 no Espírito Santo como um ardiloso e implacável combatente da bandidagem às custas de mais de 35 execuções de acusados de crimes comuns.
Ele próprio confessa outras 40 mortes anteriores “de pistoleiros e lideranças camponesas”, no início da carreira policial em Minas Gerais.
“Se lá (em Minas) servi às elites rurais, (aqui) no Espírito Santo prestei serviço às suas elites políticas”.
Os jornalistas afirmam que era comum Guerra ser homenageado e cortejado pelo mundo político e empresarial. Seu gabinete no DOPS era frequentado por dois governadores do período da ditadura militar: Élcio Álvares e Eurico Rezende.
Mas as suspeitas de que teria matado uma colunista social dos jornais locais acabaram atraindo a mídia nacional para o Estado. E a imagem do delegado se deteriorou. O próprio Rogério Medeiros foi autor de uma reportagem demolidora contra o delegado no “Jornal do Brasil”.
O ex-delegado dá os nomes dos comandantes da operação, “os mesmos de sempre”:
Guerra terminou preso pelo assassinato do bicheiro Jonathas Borlamarques de Souza – que ele diz ter sido morto por outro policial a mando de dois coronéis que comandavam a Secretaria de Segurança e o Departamento de Polícia. Obteve ainda uma condenação a 18 anos – que está suspensa judicialmente – pelas mortes de sua primeira esposa e da cunhada.
Mas ele também afirma não ter participado desses dois assassinatos. Ao longo do livro, no entanto, o velho delegado admite muitos outros assassinatos.“Fui condenado por um crime que não cometi. Mas mereci a condenação pelos meus outros crimes”, costuma dizer em suas preleções evangélicas.
“Na cadeia, eu passei a conhecer Jesus. Ao me aprofundar no conhecimento da palavra do Senhor, vi a necessidade de caminhar para além do perdão. E assim resolvi vir a público revelar todos os meus atos quando trabalhei em favor do regime militar. Aquilo que para mim era matar um inimigo ficou claro, com Jesus, não passar de crime hediondo.”

“Delegado Fleury foi morto pelos militares"

Delegado da ditadura diz ter participado da decisão. E confessa o assassinato de dirigente comunista Nestor Veras

Tales Faria, iG Brasília  - Atualizada às 
Foto: DivulgaçãoDelegado Cláudio Guerra
Símbolo da linha-dura do regime militar, o delegado Sérgio Paranhos Fleury – titular da Delegacia de Investigações Criminais (DEIC) de São Paulo – foi assassinado por ordem de um grupo de militares e de policiais rebelados contra o processo de abertura política iniciado pelo ex-presidente Ernesto Geisel. É o que afirma Cláudio Antônio Guerra, ex-delegado do DOPS (Departamento de Operações Políticas e Sociais) do Espírito Santo.
Em depoimento aos jornalistas Marcelo Netto e Rogério Medeiros, no livro “Memórias de uma guerra suja”, que acaba de ser editado pela Topbooks, Guerra conta ter participado da reunião em que foi decidida a morte de Fleury.
Ele próprio teria dado a ideia de fazer tudo parecer um acidente. Acabou sendo enviado para liquidar o colega. Mas, por problemas operacionais, a execução teria ficado para um grupo de militares do Cenimar, o Centro de Informações da Marinha.
No livro ao qual o iG teve acesso, o delegado confessa ter sido um dos principais encarregados pelo regime militar de matar adversários da ditadura entre os anos 70 e 80.
Guerra está sob proteção da Polícia federal. Tornou-se uma testemunha-chave às vésperas do início dos trabalhos da Comissão da Verdade, criada para apurar violações aos direitos humanos entre 1946 e 1988, período que inclui a ditadura militar (1964-1988).
Ele conta ter executado pessoalmente militantes de esquerda como Nestor Veras, do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro (PCB), após uma sessão de tortura da qual afirma não ter participado:
“(Veras) tinha sido muito torturado e estava agonizando. Eu lhe dei o tiro de misericórdia, na verdade dois, um no peito e outro na cabeça. Estava preso na Delegacia de Furtos em Belo Horizonte. Após tirá-lo de lá, o levamos para uma mata e demos os tiros. Foi enterrado por nós.”
Além do assassinato de Veras, Guerra conta como matou, a mando de seus superiores, outros militantes contra o regime, como: Ronaldo Mouth Queiroz (estudante universitário e membro da Aliança Libertadora Nacional – ALN); Emanuel Bezerra Santos, Manoel Lisboa de Moura e Manoel Aleixo da Silva (os três, do Partido Comunista Revolucionário – PCR).

Queima de arquivo
“O delegado Fleury tinha de morrer. Foi uma decisão unânime de nossa comunidade, em São Paulo, numa votação feita em local público, o restaurante Baby Beef”, afirma Cláudio Guerra.
Além dele, segundo conta, estavam sentados à mesa e participaram da votação:
O ex-delegado dá os nomes dos comandantes da operação, “os mesmos de sempre”:
O coronel do Exército Ênio Pimentel da Silveira (conhecido como “Doutor Ney”); o coronel-aviador Juarez de Deus Gomes da Silva (Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça); o delegado da Polícia Civil de São Paulo Aparecido Laertes Calandra; o coronel de Exército Freddie Perdigão (Serviço Nacional de Informações); o comandante Antônio Vieira (Cenimar); e o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra (comandante do Departamento de Operações de Informações do 2º Exército – DOI-Codi), que abriu a reunião.
“Fleury tinha se tornado um homem rico desviando dinheiro dos empresários que pagavam para sustentar as ações clandestinas do regime militar. Não obedecia mais a ninguém, agindo por conta própria. E exorbitava. (...) Nessa época, o hábito de cheirar cocaína também já fazia parte de sua vida. Cansei de ver.”
Guerra conta que chegou a fazer campana para a execução, mas o colega andava sempre cercado de muita gente. “Dias depois os planos mudaram, porque Fleury comprou uma lancha. Informaram-me que a minha ideia do acidente seria mantida, mas agora envolvendo essa sua nova aquisição – um ‘acidente’ com o barco facilitaria muito o planejamento.” 
A história oficial é, de fato, que o delegado paulista morreu acidentalmente em Ilhabela, ao tombar da lancha. Mas Guerra afirma que Fleury na verdade foi dopado e levou uma pedrada na cabeça antes de cair no mar.

A primeira confissão do atentado ao Riocentro

Ex-delegado do DOPS conta ter participado atentado, dá nomes dos chefes militares da operação e conta o que deu errado

Tales Faria, iG Brasília  - Atualizada às 
“Participei do atentado ao Riocentro (durante as comemorações do Dia do Trabalhador, em 1981) e fiz parte das várias equipes que tentaram provocar aquela que seria a maior tragédia, o grande golpe contra o projeto de abertura democrática”, revela o ex-delegado Cláudio Guerra, do DOPS (Departamento de Operações Políticas e Socias), no livro “Memórias de uma guerra suja”.
O depoimento aos jornalistas Rogério Medeiros e Marcelo Netto, que acaba de ser publicado pela editora Topbooks, é a primeira confissão de participação no atentado feita por um integrante das forças de resistência á redemocratização do país no final da década de 70.
Foto: Agência O GloboNo Riocentro, bomba explodiu antes da hora do atentado previsto e matou agente de informações do Exército
Cláudio Guerra conta que a bomba explodiu por engano no colo do sargento Guilherme Pereira do Rosário por um erro do capitão Wilson Luís Chaves Machado, que dirigia o Puma onde os dois estavam:
“Aquela bomba era uma das três que deveriam explodir no show. O capitão Wilson estacionou o veículo embaixo de um fio de alta tensão e a carga elétrica desse fio, a energia que passava em cima do Puma, fechou o circuito da bomba, provocando a explosão. O erro foi do capitão. (...) Eu era especialista em explosivos.”
O ex-delegado dá os nomes dos comandantes da operação, “os mesmos de sempre”:
O coronel de Exército Freddie Perdigão (Serviço Nacional de Informações); o comandante Antônio Vieira (Cenimar); e o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra (comandante do Departamento de Operações de Informações do 2º Exército – DOI-Codi).
Quanto à sua equipe, a missão seria prender esquerdistas que seriam responsabilizados pelo atentado: “Fui para lá com uma lista de nomes.”
Mas deu tudo errado. Com a explosão da bomba no Puma, os militares policiais civis e os policiais civis que levavam outras duas bombas abortaram a operação.
“O destino daquela bomba era o palco. Tratava-se de um artefato de grande poder destruidor. O efeito da carga explosiva no ambiente festivo, onde deveriam se apresentar uns oitenta artistas famosos, seria devastador. A expansão da explosão e a onda de pânico dentro do Riocentro gerariam consequências desastrosas. Era evidente que muitas pessoas morreriam pisoteadas.”
Segundo conta Cláudio Guerra, a coordenação feita pelo pessoal de inteligência havia mandado suspender todos os serviços de apoio do Riocentro, incluindo o policiamento e a assistência médica, para que não houvesse socorro imediato às vítimas. Até as portas de saída foram trancadas e placas de trânsito com siglas da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) haviam sido pichadas para dar a entender que se tratava de uma ação da esquerda.

Chefes do atentado ao Riocentro mataram Baumgarten

Dono da revista “O Cruzeiro” foi morto como queima de arquivo, segundo conta ex-delegado do DOPS Cláudio Guerra

Tales Faria, iG Brasília  - Atualizada às 
Os mesmos comandantes do Riocentro mandaram executar o jornalista Alexandre Von Baumgarten, em 1982, revela o ex-delegado do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) do Espírito Santo Cláudio Guerra, no livro “Memórias de uma guerra suja”.
Cláudio Guerra conta que ele próprio foi encarregado inicialmente do assassinato. O plano era simular uma morte natural, aplicando em Baumgarten uma injeção com a substância letal. A perícia, combinada, apontaria como causa da morte um infarto comum.
Foto: DivulgaçãoDelegado Cláudio Guerra: Baumgarten foi morto como queima de arquivo
Segundo o relato do ex-delegado aos jornalistas Marcelo Netto e Rogério Medeiros, que acaba de ser publicado pela Editora Topbooks, a ordem de matar Baumgarten, dono da revista Cruzeiro, “partiu do SNI (Serviço Nacional de Informações) de Brasília”.
À época, a Agência Central do SNI, em Brasília, era chefiada pelo general Newton Cruz. E Cláudio Guerra teria sido escalado para o assassinato - chamado de Operação Dragão - pelos seus dois chefes diretos: o coronel de Exército Freddie Perdigão (Serviço Nacional de Informações) e o comandante Antônio Vieira (Cenimar).
O ex-delegado dá os nomes dos comandantes da operação, “os mesmos de sempre”:
Ambos haviam sido, ainda segundo o ex-delegado, os comandantes do atentado do Riocentro, junto com o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra (comandante do Departamento de Operações de Informações do 2º Exército – DOI-Codi).
“Ele (Baumgarten) ia morrer porque era um arquivo vivo. Recebia dinheiro para apoiar o governo militar, por meio do trabalho na revista. Mas, por várias razões, os militares perderam a confiança nele e decretaram sua morte. Por mais recursos que ele recebesse, queria sempre mais e mais. A ambição o transformou num chantagista.”
Cláudio Guerra conta que juntou três homens de sua equipe e, um mês antes do desaparecimento de Baumgarten, abordaram-no numa rua do Rio de Janeiro e o imobilizaram.
“Anunciei um assalto, a injeção estava comigo, mas não consegui aplicar. Baumgarten reagiu, gritou que estava sendo assassinado e acabou atraindo a curiosidade das pessoas que passavam. Tivemos que abortar a operação.”
Pouco tempo depois, o técnico da antiga Companhia Telefônica do Rio de Janeiro (Telerj) Heráclito Faffe, que trabalhava em escutas para o SNI, morreu de edema pulmonar após uma estranha tentativa de assalto em Copacabana.
O livro “Dos quartéis à espionagem: caminhos e desvios do poder militar”, de José Argolo e Luiz Alberto Fortunato, relata que Faffe chegou a ser atendido por médicos e contou que seus agressores aplicaram-lhe uma injeção nas nádegas.
Troca de comando na operação
Segundo Cláudio Guerra, depois de outra tentativa mal sucedida, o coronel Perdigão informou que a Operação Dragão passaria para ser feita por militares e por um médico.
“Apanharam Baumgarten e a esposa na região serrana do Rio. Ela ficou refém e ele foi para a Polícia Federal, com o delegado Barrouin”.
Cláudio Barrouin Mello foi vice-presidente do Sindicato dos Delegados Federais do Rio de Janeiro e ficou conhecido ao comandar a operação que culminou na morte do banqueiro do bicho Toninho Turco. Morreu em 1998.
Conta Cláudio Guerra que os assasinos de Baumgarten levaram a vítima para alto-mar. A função do médico era fazer uma incisão no seu abdomem para liberar gases e evitar que boiasse. Mas o corpo apareceu na praia. E o delegado diz ter ouvido de Perdigão e Vieira que foi por erro do médico.
“Antes que eu me esqueça: o médico que abriu a barriga do Baumgarten chamava-se Amílcar Lobo”, conta o ex-delegado.
Amílcar Lobo, tempos depois, teve seu registro médico cassado por ter participado de sessões de tortura no regime militar. Seu codinome era “Doutor Carneiro”.

Jogo do bicho absorveu agentes da ditadura militar

Prática revelada no esquema de Carlinhos Cachoeira, uso de arapongas por esquema de contravenção nasceu com decadência do SNI

Tales Faria e Adriano Ceolin, iG Brasília 
Foto: AEMilitares bancaram ingresso de agentes da ditadura no jogo do bicho, prática adotada por Cachoeira (foto)
A Operação Monte Carlo, da Polícia Federal, mostrou neste ano que o bicheiro Carlinhos Cachoeira contratou ex-agentes da ditadura militar. Segundo o livro “Memórias de uma Guerra Suja”, o uso de policiais em esquema de contravenção teve início no processo de abertura política do País entre o fim dos anos 70 e começo dos 80. Uma cópia da publicação foi obtida com exclusividade pelo iG.
Em depoimento aos jornalistas Marcelo Netto e Rogério Medeiros, o delegado de polícia Cláudio Guerra afirma que, com o encerramento das atividades dos grupos de combate à esquerda, muitos agentes ficaram sem função no Estado.
“Quando o SNI já estava na decadência, me arrumaram suporte financeiro, passei a ser ajudado pelo jogo do bicho”, diz Guerra. “(...) não me deixaram na mão, e a maneira encontrada para me bancar foi viabilizar a minha entrada no jogo”.
De acordo com Guerra, foi o coronel Freddie Perdigão que “o levou para o esquema”. Ainda segundo o livro, o delegado havia sido levado a agir em nome da ditadura pelas mãos de Perdigão. “Me recrutou, cooptou, comentou e treinou”, diz Guerra.
O ex-delegado dá os nomes dos comandantes da operação, “os mesmos de sempre”:
Ainda na publicação, o delegado que foi apresentado ao bicheiro carioca Castor de Andrade (1926-1997). Ele é reconhecido como um dos maiores e mais poderosos empresários do jogo do bicho de todos os tempos.
“A relação entre Castor e as Forças Armadas era tão próxima que ele tinha até uma credencial do Cenimar (Centro de Informações da Marinha)”, afirma. “Ele gostava de usá-la para dizer que era agente oficial da reserva”, completa.
‘Irmandade ainda existe’
Guerra relata que atuou com o chefe de segurança de todos os bicheiros do Rio de Janeiro e que, com a experiência adquirida, ele próprio tornou-se empresário. “Comprei uma parte das bancas do Zé Carlos Gratz (ex-bicheiro e ex-deputado estadual)”, diz.
O delegado afirma que, apesar da abertura política, ele continuou ajudando clandestinamente as polícias de São Paulo e do Rio de Janeiro. “Acabou a revolução, mas a irmandade continuou. A irmandade ainda existe, não morreu, os caras ainda servem uns aos outros”, finaliza.
A mais recente prova disso é a revelação da Polícia Militar de que o sargento aposentado da Aeronáutica, Idalberto Araújo, o Dadá, e o sargento da Polícia Militar do Distrito Federal, Jairo Martins, atuaram como arapongas no esquema de Cachoeira.
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Ditadura tentou matar Brizola e culpar Igreja Católica

Assassinato não aconteceu, mas Cláudio Antônio Guerra revela que se disfarçou de padre durante ação contra ex-líder de esquerda

Tales Faria e Wilson Lima, iG Brasília  - Atualizada às 
Foto: AEBrizola entre Franco Montoro e Ruth Escobar cantam o Hino Nacional no Comício Pró-Diretas, em 1984
O ex-delegado do DOPS (Departamento de Ordem Político Social) do Espírito Santo, Cláudio Antônio Guerra, revela no livro “Memórias de uma Guerra Suja” que se disfarçou de padre para tentar assassinar Leonel Brizola, fundador do PDT e um dos líderes da resistência contra a ditadura militar. O disfarce era uma estratégia para responsabilizar a Igreja Católica pelo atentado.
Segundo Guerra, a operação foi comandada pelo coronel de Exército Freddie Perdigão (Serviço Nacional de Informações - SNI) e pelo comandante Antônio Vieira (Centro de Informações da Marinha - Cenimar). “Os militares também andavam muito aborrecidos com a Igreja Católica, que estava se alinhando à esquerda, pela abertura política”, afirma Guerra. Perdigão e Vieira também estavam à frente do atentado ao Riocentro.
Guerra levava também uma pasta com um revólver calibre 45. A arma era a preferida dos cubanos. A intenção também era ligar o governo de Fidel Castro ao assassinato. “Eu me lembro do boato de que Fidel Castro estava aborrecido por Brizola ter ficado com o dinheiro enviado por Cuba para financiar a guerrilha do Caparaó (o primeiro movimento de luta armada contra a ditadura militar). Os militares estimulavam esses boatos nos quartéis e entre nós”, revela Guerra. “Com o retorno de Brizola, os comentários sobre o dinheiro de Fidel apareciam aqui e ali”.
“O objetivo (do atentado) era implicar a Igreja Católica – resolveríamos dois problemas de uma vez só – e envolver os cubanos, insatisfeitos com a suspeita de desvio de verba para a guerrilha do Caparaó; daí a arma calibre 45”, aponta. “O objetivo, como sempre, era tumultuar o processo de redemocratização do Brasil”, reafirma o ex-delegado em depoimento ao jornalistas Rogério Medeiros e Marcelo Netto no livro que acaba de ser publicado pela editora Topbooks.
Plano
Ex-delegado do DOPS fala sobre atentado contra Brizola
 
A tentativa de assassinato ocorreu quando Brizola morava em Copacabana, no Rio de Janeiro. A data é incerta. Guerra conta que foi entre “a chegada dele do exílio, em 1979 e antes da demissão do chefe da Casa Civil, Golbery do Couto e Silva” em 1981. O ex-delegado afirma no livro que se hospedou no Hotel Apa, na rua República do Peru. O hotel existe até hoje. Ele se registrou com identidade e CPF falsos, concedidos pela Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro na época. “Quando precisava incorporar um personagem para realizar uma missão, eles forneciam tudo: CPF, identidade, tudo”, relata.
O ex-delegado revela no livro “Memórias de uma Guerra Suja” foi até a porta do prédio onde Brizola montado na garupa de uma moto conduzida pelo tenente Molina, um militar do Cenimar. Normalmente o líder de esquerda saía de casa “um pouco antes do meio-dia”, pelas informações do SNI repassadas ao ex-delegado do DOPS. Naquele dia, Brizola não desceu e o atentado foi abortado. “Havia o interesse da comunidade de informações em eliminar Brizola, só que depois houve um retrocesso, uma mudança”, afirma Guerra.
Brizola sofreu uma tentativa de assassinato no Hotel Everest, no Rio de Janeiro, em 18 de janeiro de 1980, quatro meses depois de chegar do exílio. Uma bomba foi deixada na porta do apartamento do líder de esquerda mas desativada em seguida.
*Colaborou Adriano Ceolin, iG Brasília 
 
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Ex-delegado do DOPS está disposto a confirmar à Comissão da Verdade assassinatos, atentados a bomba e incinerações de cadáveres durante a ditadura

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O ex-delegado do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) do Espírito Santo Cláudio Guerra resolveu se esconder, a fim de evitar retaliações por suas revelações no livro “Memórias de uma guerra suja”, que, conforme antecipou ontem o iG, acaba de ser publicado pela editora Topbooks.
Em depoimento aos jornalistas Rogério Medeiros e Marcelo Netto, o ex-delegado contou detalhes de sua participação em vários crimes durante a ditadura militar. Incluindo o atentado contra o Riocentro, o assassinato de Alexandre Von Baugarten e incinerações e mortes de adversários do regime militar, bem como o nome de seus comparsas e dos mandantes dos crimes.
Em entrevista ao Poder Online, um dos autores do livro, Rogério Medeiros, diz que Cláudio Guerra está pronto para reaparecer, assim que for convocado a prestrar depoimento à Comissão da Verdade.
Aqui, Rogério fala como convenceu o ex-delegado a confessar seus crimes e da checagem dos dados publicados:
Veja também:
  • Militantes de esquerda foram incinerados
  • Especial: A ditadura revisada
  • A primeira confissão do atentado ao Riocentro
  • Chefes do atentado ao Riocentro mataram Baumgarten
  • Delegado Fleury foi morto pelos militares, diz ex-delegado
  • Jogo do bicho absorveu agentes da ditadura militar
  • O atentado contra o jornal “O Estado de S.Paulo”
  • Ditadura tentou matar Brizola e culpar Igreja Católica
  • A denúncia de que Camilo Cola mandou matar jornalista

    “Sobrevivi para ouvir gente como Guerra”, diz mulher de morto na ditadura

    Suzana Lisboa, da Comissão de Familiares, Mortos e Desaparecidos, defende que ele seja convocado a falar na Comissão da Verdade

    Raphael Gomide, enviado do iG a Vitória (ES)  - Atualizada às 
    Foto: DivulgaçãoCláudio Guerra diz ter matado e incinerado presos políticos na ditadura
    A ativista Suzana Lisboa, integrante da Comissão dos Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, afirmou ao iG que as revelações do ex-delegado da Polícia Civil do Espirito Santo Cláudio Guerra são “muito impactantes” e que “seria uma grande vitória” ele ser ouvido pela Comissão da Verdade do governo federal, ainda em formação.
    As afirmações de Guerra estão em depoimento para o livro “Memórias de uma guerra suja”, dos jornalistas Marcelo Netto e Rogério Medeiros, como o iG mostrou nesta quarta (2).
    “Sobrevivi para ouvir gente como Guerra”, disse Suzana, que participou por dez anos da Comissao de Mortos e Desaparecidos Políticos e a deixou em 2005, acusando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de esvaziar o grupo e não cumprir a promessa de abrir os arquivos do período da ditadura militar. O marido de Suzana, Luiz Eurico Tejera Lisboa, foi morto sob tortura em 1972 e enterrado como indigente. Seus restos mortais foram os primeiros de vítimas da ditadura a serem localizados e identificados, em 1979, no cemitério de Perus, em São Paulo.
    Suzana reconhece que as afirmações do ex-policial precisam ser verificadas para checar sua veracidade, mas afirma que gostaria que Guerra a recebesse para conversar sobre casos específicos de mortos e desaparecidos.“Se ele quiser me receber, gostaria muito de encontrá-lo”, disse.
    Cláudio Guerra afirmou ter participado ainda de reunião que decidiu a morte do delegado Sérgio Paranhos Fleury, de São Paulo, do atentado do Riocentro, em 1981, e ter sido designado paramatar o jornalista Alexandre Baumgartem, em 82, e Leonel Brizola (governador do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul). 
    'Espectro' dos militares atemoriza possíveis delatores, diz Suzana
    Foto: AEManifestantes participam do ato Memória, Verdade e Justiça, em São Paulo
    Suzana contou que, ao ver as matérias do iG, passou uma série de “torpedos” para amigos e conhecidos, a fim de encontrar e encomendar um exemplar do livro, o que fez nesta quarta-feira (2) mesmo.
    Suzana admitiu que, em todos os anos de militância nessa área, nunca ouviu falar em Guerra. “Eu nunca ouvi falar nele, mas nós podemos dizer que nunca ouvimos falar nele, esses coronéis (Ustra e Juarez) não podem”, disse.
    Ela ressaltou que as pessoas que vêm a público falar sobre os crimes do período correm riscos.
    “O Brasil está tão atrasado, e a impunidade é tão corriqueira que é preciso se proteger. Se essas pessoas estivessem presas, mais gente falaria. O espectro dessas pessoas ronda todos. Ora, se foram capazes de cometer tantas atrocidades, poderiam fazer novamente. Lembro de, em viagens ao Araguaia, pessoas me dizerem : ‘Eu falaria, mas o Curió (Sebastião Rodrigues de Moura, o então “major Curió”, um dos principais comandantes de campo do Exército na Guerrilha do Araguaia, em 1974) está vivo ainda. Só falo depois que ele estiver morto ou preso’”, disse.
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