sexta-feira, 25 de maio de 2012


Cartéis do México travam guerra sangrenta por rotas que levam aos EUA

Por mercado de US$ 34 bilhões anual, narcotraficantes recorrem à barbárie contra rivais; guerra contra o tráfico matou mais de 50 mil desde 2006

Carolina Cimenti, de Nova York 
Estimado em cerca de US$ 34 bilhões por ano, o mercado de drogas dos EUA é a rota de tráfico mais rentável de todo o mundo, segundo o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC). O segundo mercado mais rentável seria o europeu, estimado em US$ 23 bilhões. Por causa da rentabilidade dos EUA, os cartéis mexicanos travam uma guerra cada vez mais sangrenta para ter acesso às rotas que levam drogas ao mercado americano.
Foto: Getty ImagesUma suposta vítima de guerra do tráfico é vista na famosa praia de Caleta, na mexicana Acapulco (4/3/2012)
Nas últimas semanas, porém, os níveis de violência ligados à guerra entre cartéis têm ultrapassado todos os precedentes. Em 13 de maio, 49 corpos esquartejados, sem cabeças, mãos e outros membros, foram abandonados em uma estrada perto de Monterrey. Quatro dias antes, 18 cadáveres foram encontrados mutilados perto de Guadalajara. Antes disso, em 4 de maio, os corpos de nove pessoas foram pendurados em uma ponte e outros 14, decapitados, foram largados no porto de Nuevo Laredo.
“Comparada ao século passado, a violência no México vinha diminuindo, mas nos últimos dez anos houve uma mudança nessa tendência e ela voltou a aumentar porque o México tornou-se a principal rota de drogas para os EUA, papel que antes cabia aos países da América do Sul e Caribe”, afirmou o presidente do Instituto de América Latina da Universidade de Columbia, Pablo Piccato. “Não há como argumentar que a guerra contra o narcotráfico, implementada pelo presidente mexicano, Felipe Calderón, esteja funcionando”, disse o professor ao iG.
Mas Antonio Mazzitelli, chefe de UNODC no México, discorda, afirmando que o aumento da violência entre os cartéis mexicanos é um sinal de fraqueza desses grupos criminais. “Quanto mais avança o esforço do governo e dos Estados mexicanos contra o tráfico, mais aumenta a violência entre os grupos criminosos porque eles estão sob mais pressão para defender suas rotas”, disse Mazzitelli ao iG.
Corroborando essa opinião, o Exército mexicano informou nesta semana que a série de demonstrações sangrentas e atrozes de corpos e decapitações praticamente públicas representa uma nova estratégia de um dos cartéis, o Los Zetas. Eles exporiam corpos nas ruas e nas estradas de áreas controladas pelo cartel rival de Sinaloa com o objetivo de confundir o governo e os militares e, assim, tentar tomar o controle das rotas do concorrente. “Eles agem e tentam colocar a culpa nos outros, é uma nova forma de agir”, explicou o general brigadeiro Edgar Luis Villegas em coletiva na Cidade do México.
Guerra contra o narcotráfico e corrupção
Quando foi eleito em 2006, Calderón decidiu combater os traficantes lançando o que chamou de guerra contra as drogas. Apesar de a violência entre os cartéis já existir por décadas antes de 2006, os governos anteriores haviam sido mais passivos ou, alguma vezes, negociado com os criminosos para que a violência não entrasse nas grandes cidades. Tudo isso mudou em dezembro de 2006, quando Calderón enviou mais de 6 mil soldados federais ao Estado de Michoacán para acabar com uma guerra entre cartéis. Depois dessa ação, Calderón continuou aumentando a participação militar contra os traficantes, chegando a recrutar 45 mil soldados para a guerra contra as drogas.
Apesar de, na época, a iniciativa ter sido aplaudida por diversos políticos mexicanos, pela população e também por Washington, o governo publicou dados em janeiro deste ano mostrando que mais de 47 mil pessoas, entre militares e civis, foram assassinadas desde o início da operação contra os traficantes até outubro de 2011. Acredita-se que, até agora, a violência relacionada aos cartéis tenha deixado mais de 50 mil mortos. E, enquanto as mostras públicas de violência chocam, a população se mostra cada vez menos satisfeita com a guerra contra as drogas do presidente.
“O problema é que o governo não luta mais contra simples cartéis de traficantes, mas contra organizações criminosas elaboradas que se desenvolveram nas últimas décadas e agora atuam em diversas áreas, seja no México ou na Colômbia e no Brasil, com os comandos”, disse Mazzitelli. “Mas, apesar de as mostras de violência serem sempre mais elaboradas, em números brutos de assassinatos a violência está diminuindo no país”, afirma o chefe de UNODC no país.
Foto: AFPPolícia mexicana bloqueia estrada entre Monterrey e Reynosa, onde foram encontrados 49 corpos mutilados em 13/5
E, além do aumento das dificuldades para frear e capturar essas organizações, o México ainda tem de lidar com a corrupção endêmica, que mina a capacidade de seu próprio Exército e sistema judiciário agir. Um exemplo disso é o próprio cartel Los Zetas, criado e administrado até hoje por ex-militares de elite que desertaram e decidiram traficar eles mesmos contra o poderoso cartel Sinaloa e outros.
Atuação dos cartéis nos EUA
Esses cartéis não são só extremamente ativos no México, tendo praticamente dividido o país em áreas dominadas por cada um deles (mais ou menos como os morros do Rio de Janeiro são divididos entre grupos criminosos diferentes), como também atuam dentro dos EUA, onde mantêm uma rede de distribuição da droga em praticamente todos os Estados americanos. A guerra de Calderón contra as drogas é uma tarefa árdua porque seu objetivo é impedir que as drogas produzidas ou que passam pelo México entrem nos EUA.
Os EUA são o maior consumidor de cocaína no mundo, com cerca de 36% do mercado global, ou 157 toneladas por ano. O país também está entre os três maiores mercados de heroína, maconha e meta-anfetaminas no mundo, segundo a ONU. Além disso, segundo as autoridades policiais americanas, 90% das drogas que entram nos EUA chegam ao país pela fronteira com o México, principalmente pelo Estado do Texas. “É uma grande ironia: ao mesmo tempo em que o México se beneficia muito por estar grudado aos EUA, o país também paga um preço muito alto”, disse Mazzitelli.
Foto: Arte/iGCartéis de drogas do México contornam a ofensiva do Estado e disputam rotas do tráfico
Em julho, eleições presidenciais mexicanas poderão colocar em risco todo o projeto de Calderón e a guerra contra as drogas. De acordo com Mazzitelli, os riscos de um grande retrocesso no país são pequenos porque Calderón conseguiu passar várias leis no Congresso mexicano garantindo reformas judiciárias e militares. “A luta contra os cartéis e contra a violência é o principal projeto de governo de todos os candidatos”, disse.
Mesmo assim, segundo Piccato, com a mudança do governo, há sempre um risco grande de que os altos funcionários do Exército sejam realocados, e a corrupção aumente. “Acabar com a violência e com os cartéis não é um trabalho de alguns anos, mas de décadas e várias gerações”, afirmou o professor da Columbia.
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