sexta-feira, 18 de maio de 2012


Cadê a geleira que estava aqui?

As imagens acima são lindíssimas. A notícia que elas revelam, nem tanto. A comparação mostra a variação no estado da geleira Colúmbia, no Alasca. A imagem de cima, de 1986, mostra a geleira em estado mais saudável. A imagem de baixo, de 2011, mostra o que restou das gigantescas placas de gelo. É uma das geleiras que encolhe mais rápido no mundo.
Ela começa no alto das montanhas a 3.050 metros de altitude e desce por um vale estreito até o mar. Em 1794, quando foi descoberta, o ponto onde a língua de gelo terminava, e mergulhava sob a superfície do mar, coincidia com a ilha Heather (Heather Island assinalada no mapa). A geleira manteve essas dimensões até 1980, quando acelerou sua retração.
As imagens usam cores falsas para enfatizar as diferenças no terreno. O azul brilhante mostra o gelo e a neve. A vegetação é verde. Nuvens são brancas ou laranja claro. A rocha exposta é marrom. O cinza mostra detritos de pedras na superfície da geleira. A imagem de 2011 tem mais cobertura de neve porque foi capturada em maio, enquanto a de 1986 é de julho (no auge do verão).
Em 1986, a geleira ia até perto da ilha Heather. No ano passado, tinha recuado 20 quilômetros. Além de recuar, a geleira também afinou, como indica a expansão das áreas de rocha em marrom. Desde 1980, a geleira perdeu metade da espessura e do volume.
A geleira é um bom retrato do encolhimento acelerado dos gelos do polo norte. Esse gelo, que estava na terra firme e agora correu para a água, contribuiu para a elevação do nível dos oceanos.
(Alexandre Mansur)
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7 Comentáriospara “Cadê a geleira que estava aqui?”

  1. Sérgio Silva:
    Gostaria de ver o professor da USP Ricardo Augusto Felício continuar afirmando que o aqueciemento global é uma mentira diante de fatos como este.
  2. Luiz Carlos Pôrto:
    Essas imagens são muito tristes porque mostram como nós, seres humanos, buscamos apenas a nossa satisfação material, sem considerar as gerações futuras.
    Obs.: Para efeito didático seria bem melhor tirar as duas fotos no mesmo período no ano, não acham?
  3. Jay:
    É impressão minha ou vejo mais gelo em 2011 do que em 1986?
    Além disso, por que estamos comparando imagens capturadas em momentos diferentes do ano? Por que não comparamos os mesmos meses?
  4. Stanley de Jesus:
    A NASA divulgou um estudo sobre o degelo na Antartida bem interessante. Mostra que parte da perda da massa de gelo é devido ao aqueciemnto das correntes oceânicas.http://www.nasa.gov/topics/earth/features/currents-ice-loss.html
  5. Alexandre Mansur:
    Jay,
    Sim. Há mais gelo na imagem de 1986 porque, como explica o texto, ela foi obtida em maio e a de 2011 em junho, quando o verão já fez seu trabalho. Provavelmente, não haviam boas imagens do mesmo mês, pela limitação do satélite ou pela cobertura de nuvens.
  6. Larissa de Sales:
    Essas imagens só comprovam que o aquecimento global não é brincadeira. Se continuar assim,as geleiras do mundo todo irão derreter e consequentemente o nível dos mares irá subir, ocasionando diversos problemas.
  7. Roberto:
    Estas fotos, e está reportagem é clara quanto a existência do aquecimento global. Sera que ainda existe duvida do quanto ao aumento da temperatura do planeta?O aquecimento global é uma farsa? Http://robrtobassi.blogspot.com

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Esse carro elétrico é apenas uma falsa solução individualista?

O Eo é um carro ainda em estágio de protótipo da montadora chinesa Ample International. Ele tem lugar para apenas uma pessoa no banco principal. Se você quiser, pode espremer mais dois passageiros atrás. Pequeno e leve, vai longe com seu motor elétrico. Com uma carga, roda até 200 km. Mas não passa de 64 km/h. Para ganhar espaço, tem algumas boas ideias de projeto. No lugar de um espelho retrovisor central, uma tela no painel exibe as imagens de uma câmera na traseira. o Eo foi apresentado na feira de elétricos EVS26, na Califórnia. Faz parte da expansão de elétricos na Ásia.
Parece uma boa ideia. Pequenos carrinhos elétricos individuais poderiam resolver nossa mobilidade urbana, com conforto, independência e limpeza. O modelo não poluiu o ar das grandes cidades. Não faz barulho. Não contribui para o aquecimento global (se a eletricidade do lugar não vier de termelétricas).
Mas um veículo desses para uma pessoa só ocupa um belo espaço na rua. Para uma cidade congestionada, como São Paulo, não é a solução ideal para o transporte na hora do rush. Se as pessoas que hoje vão de trem, ônibus ou metrô – ou mesmo os que dividem um carro comum – passarem para vários Eozinhos desses, vai todo mundo parar no congestionamento. Um congestionamento silencioso e com ar puro. Mas parado do mesmo jeito.
(Alexandre Mansur)
Foto: Ample/Divulgação
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4 Comentáriospara “Esse carro elétrico é apenas uma falsa solução individualista?”

  1. Luiz Carlos Pôrto:
    Alexandre
    Na minha opinião o caminho são os pequenos veículos elétricos que farão a conexão entre a residência e o transporte público mais próximo. Veja isso: http://www.silvaporto.com.br/blog/?p=2546
    É inviável levar transporte coletivo à porta de cada morador. Tampouco é viável os carros elétricos para uso individual, como você bem diz no texto.
  2. leila:
    Pode nao ser uma solucao imediata para os grandes centros ou para transporte de massa.Mas e uma sementinha que esta germinando , e com certeza crescera rumo a um futuro melhor.
  3. Sérgio Werneck de Figueiredo:
    Obrigado, Luiz Carlos Pôrto, pela dica do Dock Dock. Sou fã incondicional dos trabalhos de Jayme Lerner, com quem concordo integralmente. Faço apenas a ressalva de que o carro deveria ter três lugares, ao invés de apenas dois. Minha opção se deve à maior funcionalidade, observada em vários outros projetos, ao rateio econômico e à possibilidade de se usar um condutor fixo, como no caso de novos mini elétricos chineses. Outra consideração seria quanto à mudança de sistemas de vias, já que não concordo com o atual, que considero anacrônico e milenar. Nosso complexo de vias foi apenas uma modernização, para substituir carroças e carruagens pela infinita diversidade atual, incompatível, arriscada, mortífera até. Acredito que veículos diferentes deveriam trafegar em vias de traçados distintos, completamente independentes das vias para coletivos, assim como acontece com os Tramways de Paris e Barcelona. Acredito também que deveríamos utilizar a área sobre vias expressas para construir estacionamentos, edifícios de escritórios e shoppings, concentrando várias atividades na própria via expressa, eliminando o vai e vem poluente e custoso do trânsito. Minhas ideias culminam em uma cápsula de levitação magnética, que também se elevaria pela parede externa magnetizada do edifício, até o andar requerido pelo seu ocupante, eliminando rodas, pneus, motores elétricos, estacionamentos e elevadores. O que será que Jayme Lerner acharia dessa situação visionária?
  4. Sérgio Werneck de Figueiredo:
    Acrescento que o conceito da reportagem não só é individualista, como também não é solução.Para que o carro elétrico tenha apelo ambiental é necessário que se tenha austera conscientização sobre inplicações dos materiais envolvidos em sua construção. Diminuir peso e tamanho é usar menos material e viabilizar a longevidade de percursos com baterias menores e menos custosas, mas enchê-lo de materiais de difícil descarte simplesmente acaba com o projeto. Fibra de carbono é uma das novidades que devem ser combatidas pela indústria automotiva.

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Alô, Vivo. Não troque este orelhão

O dono da Paulo Alves Design + Marcenaria São Paulo teve um trabalhão para decorar o telefone público em frente a sua loja. O orelhão fica lá embelezando o jardim de temperos na entrada do estabelecimento, nas ruas Harmonia com Rodésia, na Vila Madalena. Agora, corre o perigo de perder a beleza natural adquirida por conta da troca de marca da Telefonica. A empresa, que tem a concessão de serviços telefônicos em São Paulo, unificou a marca para a empresa de celular Vivo. Agora, está trocando os 200 mil orelhões da cidade, tirando as abóbadas de cor verde limão da Telefonica pelo roxo berinjela da Vivo. Na troca da fruta para o legume, a bela trepadeira florida da foto acima pode ir embora. Seria uma pena porque qualquer metro quadrado de verde conta para debelar os desertos urbanos.  Será que o orelhão ecológico vai resistir como o ponto de ônibus decorado pelos pássaros?
(Alexandre Mansur)
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Por que respeito os céticos do aquecimento global

Tenho grande respeito pelas pessoas que questionam o aquecimento global. As vozes críticas são fundamentais, em um ambiente democrático, para manter os debates equilibrados. O ceticismo diante das mudanças climáticas é natural e saudável. Afinal estamos diante de novidades que desafiam o que sabemos, envolvem conhecimentos complexos, uma parcela de dúvida e podem envolver decisões com custos e sacrifícios.
Essas vozes críticas não são homogêneas. Expressam diferentes visões. O meteorologista Luiz Carlos Molion, da Universidade Federal de Alagoas, diz que a Terra está esfriando, e que os grandes centros de pesquisa combinaram de deturpar ou esconder os dados corretos que mostrariam isso. O meteorologista Ricardo Augusto Felício, da USP, diz que a Terra está esquentando, mas que é um fenômeno natural. Obiólogo alemão Joseph Reichholf, do Zoológico de Munique, diz que a Terra está esquentando, que pode ser por efeito da ação humana, mas que será bom para nós.
Um dos céticos mais famosos, o dinamarquês Bjorn Lomborg, já passeou por vários pontos de vista. Nos anos 90, dizia que não havia evidências de que a Terra estava esquentando. Em meados dos anos 2000, passou a dizer que a Terra estava esquentando, mas não era um problema dos mais sérios. A partir de 2010, começou a afirmar que a Terra está esquentando, que é um problema sério, mas que a estratégia não deve ser cortar as emissões poluentes, mas apenas investir mais em tecnologias limpas.
Também há grupos de céticos financiados por indústrias poluidoras, como empresas de petróleo. Mas vou deixar esses pra lá porque, embora provoquem ruído na mídia, não participam do debate científico.
Os cientistas que estudam o clima também não têm opinião homogênea. Também discordam entre si. Se você visitar um blog como o Real Climate, acompanhará um pouco dos debates atuais dos climatologistas. Eles estudam e discutem como estimar com precisão o clima da Terra há 200 milhões de anos ou como entender o efeito das nuvens na atmosfera. Uma das maiores dificuldades de hoje é montar modelos de computador capazes de prever como os regimes de chuva mudarão. Alguns apontam para uma Amazônia mais seca, outros mais úmida.
Apesar das discordâncias, alguns conhecimentos adquiridos sobre o clima nos últimos 50 anos, desde que esses estudos começaram a ser feitos com mais intensidade, podem ser considerados relativamente consensuais na comunidade científica. Isso acontece quando os pesquisadores consideram que as teses já se apoiam em um volume suficiente de dados coletados por fontes independentes e já sobreviveram um número suficiente de testes capazes de refutá-las. Um bom resumo desse consenso foi elaborado pelaRoyal Society, a academia britânica de ciências. Outro bom resumo do conhecimento atual aceito pela ciência foi feito pela academia americana. Ambos são de 2010.
Esse conhecimento foi adquirido por vários centros de pesquisa do mundo, inclusive brasileiros, como o Inpe, a Embrapa, a Coppe da UFRJ, a USP e a Fiocruz. Há esforços para reunir tudo que se sabe, descartar as incertezas, e tentar chegar aos consensos. A maior empreitada desse tipo é o IPCC, o painel de clima organizado pela ONU desde 1990. Seus últimos relatórios, publicados em 2007, envolveram centenas de pesquisadores que reuniram milhares de estudos científicos publicados em revistas com revisão independente, como a americana Science e a britânica Nature. Um dos relatórios afirma que o aquecimento é provocado pelo homem. O outro detalha seus possíveis impactos.
Dos milhares de estudos que amparam o último relatório do IPCC, apenas um se mostrou errado: a famosa estimativa para o derretimento do Himalaia. Os outros milhares de estudos estão, até prova em contrário, corretos.
O que geralmente confunde as pessoas é que a ciência não trabalha com certezas absolutas. O ramo do conhecimento que fornece certezas inquestionáveis é a religião. O método do conhecimento científico é outro. Ele progride em cima de hipóteses, teses e teorias com algumas propriedades. Primeiro, elas ajudam a explicar algum mistério do mundo. Segundo, elas sempre podem ser refutadas por alguma evidência. A teoria da gravitação ajuda a explicar por que a Terra gira em torno do Sol. E vem se mantendo incólume desde 1687. Mas se você fizer uma caneta levitar agora, a teoria cai. A teoria da evolução das espécies, de Darwin, resiste há mais de um século. Mas se alguém desenterrar um fóssil de um bicho contemporâneo como um coelho numa camada geológica de 200 milhões de anos, junto com osso de dinossauro, a teoria da evolução será extinta. A teoria do aquecimento global é assim. É imperfeita. Mas é a melhor explicação para as mudanças em curso, como encolhimento das calotas polares, recordes detemperatura e mudanças nas chuvas. E a teoria vem sendo aprimorada graças aos saudáveis questionamentos das vozes céticas.
(Alexandre Mansur)
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“Não há desenvolvimento sustentável num mundo castigado pelas mudanças do clima”

Eduardo Felipe Matias é sócio responsável pelas áreas internacional e de sustentabilidade do escritório Nogueira, Elias, Laskowski e Matias Advogados. Escreveu o livro A Humanidade e suas Fronteiras: do Estado soberano à sociedade global, ganhador do Prêmio Jabuti em 2006. E continua pesquisando o tema. Em entrevista ao Blog do Planeta, ele conta por que as mudanças climáticas viraram a prioridade para a Rio+20.
ÉPOCA: O que podemos esperar da Rio+20?
Eduardo Felipe Matias: Menos do que se deveria, considerando a urgência do momento atual e o foco que tem sido dado até agora para a Conferência. Os dois temas principais que serão tratados na Rio+20 – a economia verde e a estrutura institucional para o desenvolvimento sustentável – são essenciais. O problema é que, em cada um deles, o enfoque deveria ser um pouco diferente. A economia verde não irá vingar enquanto não se passar a considerar, na formação do preço dos produtos e dos serviços, os custos sociais e ambientais das emissões de CO2 e outros gases de efeito estufa. Quando isso acontecer, produtores e consumidores serão induzidos a optar por produtos baseados em tecnologias de baixo carbono. A atribuição de um preço ao carbono poderia ocorrer de diversas maneiras – sendo que a mais promissora parece ser a criação de impostos nesse sentido. Essa é uma discussão, no entanto, que parece que irá passar longe da Rio+20.
ÉPOCA: Qual é a utilidade de reformar a ONU?
Matias: Essas discussões são o outro tema principal da Conferência. O debate é fortalecer o Programa das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente (PNUMA) ou criar uma nova agência nos moldes da Organização Internacional do Trabalho (OIT) ou da Organização Mundial da Saúde (OMS). No entanto, o sistema interestatal não tem condições de promover sozinho a sustentabilidade global. A governança do desenvolvimento sustentável depende de diversos atores, como as empresas transnacionais, as organizações não governamentais e vários outros diferentes níveis de autoridade com capacidade de emitir regras que são seguidas por seus membros, muitas vezes voluntariamente. A Rio+20 deveria contribuir para a criação de um ciclo virtuoso da sustentabilidade que estimulasse a ação de todos esses níveis de autoridade. Por isso, seu foco não deveria se concentrar apenas na ação direta dos governos nacionais, mas na indução e na regulação dos comportamentos desses outros atores.
ÉPOCA: A Rio+20 trará resultados concretos ou será mais um avanço simbólico?
Matias: O panorama que está se desenhando é o de que, se houver algum resultado significativo, este será a adoção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Seriam metas concretas que os países se comprometeriam a alcançar em áreas importantes como energias renováveis, uso da água etc. Ainda que não se tenha tempo de definir em detalhe todas essas metas durante a Conferência, se os países mostrarem uma vontade firme de estabelecê-las em um futuro próximo – fala-se em 2015 – esse seria ao menos um avanço simbólico importante.
ÉPOCA: Para que servem os objetivos de desenvolvimento sustentável?
Matias: O êxito da economia verde depende menos dos governos e mais das empresas – é importante lembrar que o setor privado é responsável por 70% da economia global. Sem empresas verdes não há economia verde.
Algumas empresas têm se antecipado e adotado práticas sustentáveis, confiando que estas em algum momento se tornarão obrigatórias. Acredito muito no papel desses vanguardistas nesse processo. Essas empresas tendem a pressionar os governos para que lhes assegurem condições para avançar rumo a modelos de negócios mais sustentáveis, sem perder sua capacidade de competir. Logo, os governos se comprometerem com alguns objetivos relacionados ao desenvolvimento sustentável é um elemento muito favorável para esse movimento, contribuindo para o ciclo virtuoso da sustentabilidade a que me referi anteriormente.
Isso porque, para que um grande número de empresas invista em “esverdear” a sua produção, estas precisam ter certeza de que a economia local e mundial caminha na direção de assegurar benefícios àqueles que apostarem em tecnologias de baixo carbono e penalizar aqueles que não o fizerem. Os ODS seriam um forte estímulo nesse sentido.
ÉPOCA:Como comparar a Rio+20 com a Rio92?
Matias: Primeiro, são duas conferências diferentes em sua preparação. A Rio92 foi o ponto final de um processo de negociação que estava mais avançado e resultou em documentos como a Convenção do Clima e a Convenção da Biodiversidade. Já a Rio+20 tem sido vista como o ponto de partida para novas discussões sobre o desenvolvimento sustentável. O momento das duas é também bem diferente. A maior mudança talvez tenha ocorrido no plano da geopolítica e da economia. Alguns países que apenas assistiam aos debates há 20 anos hoje têm influência nas decisões. A ascensão dos BRICs (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) contrastou com a queda na participação dos países da OCDE no PIB mundial. Isso, por um lado, torna as deliberações mais complexas, mas também deixa as decisões mais abrangentes. Tratando-se de meio ambiente, tema que pede o engajamento de todas as nações – o atual é um cenário mais promissor.
Esse engajamento por parte dos países emergentes é, inclusive, necessário. Nos últimos 60 anos, a participação dos BRICs no total mundial de emissões de gases de efeito estufa aumentou de 15% para 35%. Logo, pensando nas mudanças climáticas, não há solução viável sem o envolvimento dos emergentes.
ÉPOCA: As descobertas científicas recentes aumentam a urgência da Rio+20?
Matias: A ciência evoluiu em sua compreensão das mudanças climáticas. Em 1992 esse era um tema que já havia adquirido importância, mas não se tinha ainda ideia da gravidade dos efeitos que a ação humana está provocando no meio ambiente. Hoje a sustentabilidade é um tema que mobiliza um número expressivo de pessoas, a cobrança aumentou e os governantes estão mais pressionados a agir. Isso também é bom.
ÉPOCA: O quanto a crise econômica global pode afetar a Rio+20?
Matias: Essa circunstância pode aumentar a resistência dos Estados Unidos em assumir compromissos fortes – principalmente em ano eleitoral – e deve diminuir o engajamento da Europa, que sempre esteve à frente do movimento pelo desenvolvimento sustentável. Essa liderança poderia, quem sabe, vir a ser ocupada pelos países emergentes – embora estes também pareçam ainda desconfiados de que crescer de forma sustentável é possível, isso sem falar no medo de que a economia verde só iria servir para justificar a imposição de novas barreiras comerciais a seus produtos. Seria, de qualquer forma, uma boa oportunidade para o Brasil aumentar o seu peso no cenário internacional.
ÉPOCA: Quais são os maiores desafios para o mundo hoje?
Matias: Não tenho dúvidas de que o maior desafio é deter as mudanças climáticas.
Nesse sentido, a Rio+20 não poderia deixar o foco em meio ambiente de lado, e não deve, principalmente, varrer o problema das mudanças climáticas para baixo do tapete sob o pretexto de que o foro adequado para tratá-lo é o processo de negociação no âmbito da Conferência do Clima. Se a sustentabilidade depende – e depende – do econômico, do social e do ambiental, o ambiental é o pé desse tripé que está mais bambo. Não há desenvolvimento sustentável num mundo castigado pelas mudanças do clima.
ÉPOCA: Por que as mudanças climáticas viraram o tema ambiental mais relevante?
Matias: Porque praticamente todos os outros graves problemas ambientais estão a ela interligados.
Recentemente, um grupo de cientistas do Centro de Resiliência de Estocolmo chegou à conclusão de que as pressões que a ação humana exerce sobre o sistema terrestre alcançaram uma escala na qual uma mudança ambiental global abrupta ou irreversível não pode mais ser descartada. Esses autores definiram “limites” ou “fronteiras” planetários que, se ultrapassados, poderiam trazer efeitos catastróficos para a humanidade. Essas 9 fronteiras são as seguintes: poluição por produtos químicos; acidificação dos oceanos; acúmulo de aerossóis; consumo de água doce e ciclo hidrológico global; camada de ozônio; mudança do uso da terra; interferência nos ciclos globais do nitrogênio; taxa de perda da biodiversidade; mudança climática. Eles estimam que esses três últimos limites já foram ultrapassados. Claro que todos esses são problemas importantíssimos, que merecem máxima atenção. Porém, de todos eles, o da mudança climática me parece o mais grave, porque é aquele em que, mais claramente, nos aproximamos de alcançar o ponto de não retorno – se é que isso já não ocorreu, como defendem esses cientistas. E é um limite que tem efeitos sobre diversos outros. Por exemplo, há estudos que afirmam que uma mudança radical do clima, que venha a alterar o regime de chuvas na região amazônica, podem levar a um processo de savanização da floresta, com sérias consequências para a sua biodiversidade. Por isso, o combate às mudanças climáticas deveria ser visto como prioridade. O atraso em fazê-lo pode agravar todos os outros problemas ambientais.
ÉPOCA: E a erradicação da pobreza?
Matias: Também um assunto urgente. A miséria e a fome são a maior vergonha da nossa civilização. No entanto, qualquer avanço na área do combate à pobreza será rapidamente anulado em um mundo em desordem ambiental. Os efeitos econômicos e sociais de secas ou inundações anormais, de tempestades que devastem habitações e plantações, são sentidos mais intensamente pelos mais pobres. Por isso, é preciso pensar, muito mais do que vem sendo feito até hoje, na adaptação que será necessária para aliviar os danos que as mudanças climáticas poderão trazer para alguns países. E evitar essas mudanças não é tarefa fácil, daí o tamanho do desafio. Implica grandes transformações em diversas áreas, como transportes, agricultura, energia. Nesta última, por exemplo, a substituição dos combustíveis fósseis por energias renováveis é um processo complicado, cujo sucesso depende de inovações que aperfeiçoem e barateiem as tecnologias existentes, e talvez não seja bem sucedido sem a invenção de novas tecnologias. Isso demanda investimentos pesados em pesquisa e desenvolvimento por parte dos governos e das empresas. Vencer esse desafio requer também mudanças no comportamento de toda a sociedade, em um esforço concentrado como nunca antes se viu na história da humanidade.
ÉPOCA: Diante de uma grande crise financeira atual, com as maiores economias do mundo andando de lado, faz sentido discutir crescimento sustentável do ponto de vista ambiental e social?
Matias: Faz todo o sentido. Costumo dizer que a crise ambiental e a crise financeira são faces da mesma moeda, porque os mesmos incentivos e motivações equivocados que levaram a uma nos conduziram à outra. Ambas resultam de vivermos acima de nossas possibilidades, sejam elas econômicas, sejam elas ambientais.
Sem mudar esses incentivos, viveremos uma nova crise financeira e não evitaremos a crise ambiental ou a crise social.
ÉPOCA: Nem se esses incentivos levarem ao crescimento agora?
Matias: De nada adianta continuar crescendo – ou voltar a crescer – nos moldes atuais. Não podemos nos esquecer da origem da expressão “desenvolvimento sustentável”. Ela só passou a ser utilizada porque, em determinado momento, notamos o risco de continuar crescendo com base em uma demanda por recursos naturais que supera a capacidade de regeneração do planeta. Quando se fala em atender as necessidades atuais sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atender as suas próprias necessidades, o que se quer dizer é que o desenvolvimento que prejudica o ambiente afeta também o desenvolvimento futuro. Só que o grau de destruição da natureza foi tamanho nas últimas décadas que não é apenas o desenvolvimento das gerações futuras que está em jogo. As gerações atuais já irão sofrer os efeitos desse crescimento insensato. Por isso, é fundamental que, ao procurar atender as demandas atuais, como a geração de empregos, esse esforço esteja alinhado com a preocupação em preservar os recursos do planeta. Pior que uma crise econômica, só uma crise econômica acompanhada por desastres ambientais.
(Alexandre Mansur)
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  • alexandre mansur

    Editor-executivo da revista Época. Cobre meio ambiente desde 1991. Tem até uma mini-horta (ou menor, uma nano-horta) na varanda do apartamento. Diz que está preocupado com o aquecimento global, mas só quer salvar a praia de Ipanema.
    Twitter: @alexmansur
  • aline ribeiro

    Repórter da revista ÉPOCA, cobre meio ambiente há 5 anos. Ganhou um carro (!!!) num prêmio de jornalismo ambiental, mas manteve a opção pela vida não motorizada e vendeu o veículo. Já comeu lagartas de bambu para impressionar índios paranaenses e fez amizade com muriquis, o maior macaco das Américas.
    Twitter: @alineamribeiro
  • bruno calixto

    Repórter de ÉPOCA online. Cobre meio ambiente desde 2008, e nesses anos o que mais queria era ter um violão de madeira certificada da Amazônia - mas tem medo de contribuir para a poluição sonora.

    Twitter: @brunocalixto

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